O caput do artigo 182 da Constituição Federal dispõe que “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.”
Com a finalidade de estabelecer as normas relativas ao parcelamento, uso e ocupação do solo em São José dos Campos, além de outras providências relacionadas, dentro de sua competência constitucional, o poder executivo do município de São José dos Campos elaborou e enviou para análise e votação pelo legislativo, o projeto de Lei Complementar 08/2010.
O presente estudo tem por objetivo apresentar algumas observações sobre o projeto de Lei em questão, sob o ponto de vista jurídico, acerca das questões que se entende mais relevantes.
Primeiramente, válido mencionar que a alteração e modernização desta legislação específica trata-se de questão de ordem pública e que vem sendo buscada por diversos setores da sociedade.
Nesse passo, o executivo municipal se mostra atento e responsável em suas funções ao tomar a iniciativa deste projeto de Lei, mormente ante a possibilidade latente de que nossa região possa tornar-se metropolitana.
Observamos que o projeto de Lei é bastante técnico em sua terminologia e em seu conteúdo, apresentando conceitos complexos em suas normas, que deverão ser objeto de estudo, também, por engenheiros, arquitetos, urbanistas, etc., assim como por toda sociedade, haja vista que esta Lei afeta a estrutura da cidade como um todo.
Por essa razão, desde já manifestamos nossa opinião no sentido de serenidade e profundidade na discussão e aprovação desta Lei, para que a Câmara Municipal tenha tempo e tranqüilidade para analisar o projeto, ouvir todos os segmentos da sociedade e propor as emendas e retificações eventualmente necessárias.
O projeto de lei é bastante analítico, ou seja, busca tratar das mais diversas situações do município, o que não é tarefa fácil, mas também revela o zelo e bons intentos do legislador.
Outros pontos que devem ser exaltados e aplaudidos no projeto de Lei, referem-se às normas que tratam da revitalização do centro da cidade e preservação da orla do banhado, projetos que visam o bem estar comum, valorizando a qualidade urbanística e o meio ambiente.
Pois bem, uma das questões que chama atenção no projeto de lei é a alteração da dimensão mínima dos lotes para 200m2, para os futuros loteamentos em São José dos Campos-SP, considerando que a Lei Federal 6.766/79 e a lei municipal vigente a estabelece em 125m², como tamanho mínimo.
A intenção da Lei em dimensionar os lotes para 200m² demonstra a preocupação do Poder Público em não transformar a cidade em um adensamento de construções.
Entretanto é importante analisar se esta mudança não irá incentivar a venda de partes ideais menores que os 200m2, impedindo o desdobro e registro, favorecendo a informalidade.
Outra questão que nos chama atenção no texto do projeto de Lei Complementar, encontra-se no artigo 94, que traz a seguinte obrigação ao loteador de uma área:
“O loteador deverá apresentar a prefeitura municipal, juntamente com todos os documentos para aprovação do loteamento, o contrato padrão de compra e venda dos lotes, que será submetido a análise da Secretaria de Planejamento urbano, através de seus órgãos competentes.”
A preocupação do Órgão Público com os loteamentos mais uma vez se mostra latente no texto de Lei.
Porém, entendemos que esta exigência é desnecessária, acabando por interferir no livre direito de contratar entre os particulares.
Ocorre que o contrato preliminar de compra e venda de lotes já se submete naturalmente a todo ordenamento jurídico vigente, com seus princípios e normas. A Lei 6.766/79 estabelece regras e condições gerais para os contratos de compra e venda de lotes, assim como o Código Civil apresenta conceitos e regras aplicáveis a toda espécie de contratação.
Diante disto, entendemos que esta exigência deve ser repensada pelo legislador e se for o caso, retirada do projeto, pois a intenção do projeto não pode ser a interferência no Direito Privado, regulado pelo Código Civil.
O projeto de Lei apresenta boa técnica redacional, sempre buscando disciplinar as normas técnicas que deverão ser aplicadas ao caso concreto.
É de extrema importância, porém, que a Lei a ser aprovada não apresente conceitos subjetivos, pois é consenso entre os operadores do direito que a Lei positivada deve disciplinar de forma clara e objetiva sua aplicação, de modo a não permitir interpretações diversas para situações equivalentes, ou seja, reduzir ao máximo a subjetividade na interpretação quando de sua aplicação.
Um exemplo desta subjetividade mencionada, pode ser encontrada no artigo 97, parágrafo único, que estabelece regras para que os loteamentos aprovados possam ser parcialmente liberados para construção, trazendo a seguinte redação:
Poderão ser parcialmente liberados para construção os loteamentos aprovados, registrados e dotados de obras de terraplanagem, arruamento, demarcação de lotes, sistema de abastecimento de água, rede de coleta e afastamento de esgotos, energia elétrica domiciliar, devidamente aceitos pela Prefeitura Municipal e concessionárias.
Parágrafo único. O poder executivo determinará, mediante decreto, os loteamentos que poderão ser beneficiados com as disposições deste artigo.
Em atendimento ao princípio da isonomia (artigo 5º caput, da Constituição Federal), sugere-se que o texto seja apresentado de forma mais objetiva, definindo quando autorizará, a liberação para construção, a fim de se evitar que a discricionariedade crie situações diversas nas autorizações para loteamentos providos das mesmas condições. Assim, O verbo “poderão ser” merece ser retificado por outro vocábulo que seja taxativo. Quanto ao parágrafo único este deve ser excluído do texto, pelos motivos acima.
Isto porque todo texto de Lei que apresenta certa carga de discricionariedade, deixando ao alvedrio de apenas uma das partes, no caso , do Poder Executivo, acaba por acontecer inúmeras distorções, que abarrotam o Poder Judiciário com ações fundadas em divergentes interpretações da norma legal.s
Deste modo, caberá à Câmara Legislativa Municipal buscar uma análise atenta e profunda do Projeto de Lei Complementar, para extrair a carga de subjetividades existente no texto apresentado.
Ainda sobre esta questão, o artigo 267 do projeto de Lei estabelece o direito de preferência à Prefeitura, para eventual aquisição do imóvel urbano, que seja objeto de alienação onerosa entre particulares, nas áreas consideradas de interesse público, as quais são listadas nos incisos do artigo.
Ocorre que não constam prazos para que a prefeitura exerça seu direito de preferência em relação ao patrimônio do administrado, deixando a questão em “aberto”.
Consideramos importante disciplinar na própria Lei, o procedimento que vai reger este direito de preferência e principalmente, um prazo máximo para que o poder público, após devidamente notificado, exerça ou não seu direito de preferência, a fim de não deixar o particular indefinidamente obstado de alienar seu patrimônio.
Sugere-se ser adotada no projeto de Lei Complementar, remissão aos artigos 25, 26 e 27 do Estatuto das Cidades, Lei Federal 10.257/01, que apresentam procedimentos e prazos para o estabelecimento do direito de preempção pelo poder público.
O projeto de Lei em análise poderia adotar o procedimento da legislação federal mencionada, mediante simples referência, o que evitaria equívocos e incertezas na aplicação da futura lei, ou poderia estabelecer um procedimento próprio, que não contrarie a legislação federal.
Atrelado ao direito de preempção, constatamos que algumas Ruas e Avenidas da cidade, que possuem vasto comércio já instalado, foram consideradas como zona de ocupação estritamente residencial pelo projeto de Lei, ao mesmo tempo em que foram declaradas como área de interesse público e com direito de preferência de compra pela Prefeitura Municipal.
É certo que ao declarar uma área onde existem empresas instaladas como área residencial e de interesse público, o valor de mercado destes imóveis poderá ser reduzido, podendo ocasionar prejuízos aos atuais proprietários.
A fim de se evitar ações de indenização por parte dos proprietários que se considerarem prejudicados, o projeto de Lei poderia prever uma espécie de compensação aos proprietários destas áreas, caso realmente seja mantida a definição das áreas nos termos apresentados no projeto.
Acerca das limitações para ocupação do solo urbano apresentadas no projeto de lei, como restrições ao tamanho de edifícios, distância entre os mesmos, etc. entendemos que as mesmas podem e necessitam existir, porém, devem obedecer a critérios exclusivamente técnicos, que visem resguardar o interesse público. Ou seja, coibindo excessos, mas sem interromper o desenvolvimento econômico, nos termos do artigo 2º, IV da Lei 10.257/01 (Estatuto das Cidades) que dispõe:
Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
(...)
IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;
Para tanto, devem ser ouvidos os representantes da Construção Civil, os representantes das diversas entidades civis, os representantes dos moradores, etc., enfim todos os que serão afetados direta ou indiretamente com o ingresso em vigor do novo regramento urbano.
Estas são algumas das observações sobre as questões jurídicas que consideramos mais relevantes, sobre o projeto de Lei Complementar 08/2010, que encontra-se atualmente em discussão perante a câmara municipal de São José dos Campos, sendo que, diante da amplitude e complexidade deste projeto de Lei, reiteramos que as discussões devem prosseguir sem açodamento, com a participação de todos os segmentos da sociedade.
Fábio Gifoni Rocha
OAB/SP 231.913
José Carlos Ferreira de Almeida Júnior
OAB/SP 251.048
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